Almas desidratadas

 

Já não te peço que me escutes,
tenho que me restringir a esta irremediável passividade,
fingir que não entendo a tua excessiva impaciência.
Quando aumentas o volume da tua voz, já sei;
estás ávido por silêncio.
De mim apodera-se uma dor que me corrói a garganta.
O que tu não sabes é que já nem à recordação
dos dias contentes que tivemos eu recorro.
Fechei essa janela...
Não existe mais razão para continuar aberta...
Somos almas desidratadas pelo abuso dos hábitos,
a nossa linguagem foi-se transformando
e fizemo-nos estranhos aos abraços que mantinham
a doçura da partilha.
Sabes, mesmo assim,
numa última tentativa eu queria dizer-te:
- Lá fora canta um passarinho...
Mas calei-me ao perceber que perderas aquele ar de rapazinho
que a rir, ia atrás de mim até à janela
e abraçados caíamos naquela poesia mágica estendida
pelo  nosso horizonte.
Perdemos as asas de fogo
e desabamos no deserto...

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